PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 6ª REGIÃO
Segunda Turma

PROCESSO N. 0000919-46.2021.5.06.0006 (RORSum)

Órgão Julgador: 2ª Turma

Relator: Juiz convocado Edmilson Alves da Silva

Recorrente: D&A DECORAÇÃO E AMBIENTAÇÃO LTDA.

Recorridos: PAULO HENRIQUE GOMES DOS SANTOS e FLOR ARTE LTDA.

Advogados: Arthur Coelho Sperb, Eduardo Ferreira Wagner e Tamynne Arruda Costa Lima

Procedência: 6ª Vara do Trabalho do Recife (PE)

Vistos etc.

Resumo:

Sentença: títulos julgados parcialmente procedentes (ID. 429b822).

Recurso Ordinário: a segunda Ré sustenta não ter sido observado o parágrafo único do art. 1º da MP 927/2020 à luz da Súmula n. 10 do e. Supremo Tribunal Federal. Alega motivo de força maior para a dispensa do Autor (artigos 501 e 502 da CLT e 393, caput, parágrafo único, do CC). Defende a improcedência da ação trabalhista.

Relatório dispensado a teor do art. 852-I, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho.

VOTO:

Admissibilidade

O Recurso é tempestivo e a representação é regular (ID. 7948cb7).

Recebo-o, bem como as contrarazões de ID. c53c3cc, porquanto igualmente tempestivas e regularmente subscritas (ID. 598dc9b).

MÉRITO

Verbas rescisórias (recurso ordinário)

O pleito recursal deve ser rejeitado, considerando o que foi decidido no primeiro grau, nesses termos:

DAS VERBAS RESCISÓRIAS

O autor alega que iniciou sua prestação de serviços em 22.7.2019, para o fim de exercer a função de armazenista, persistindo a vinculação empregatícia até o dia 25.3.2020, quando foi imotivadamente dispensado, sem, contudo, ser contemplada com o pagamento integral das parcelas resilitórias.

O réu, ao contestar o feito, assevera que promoveu a dispensa do autor em decorrência da fragilidade financeira que lhe acometeu, diante do cenário de pandemia instalado na época. Afirma ter efetuado o pagamento das verbas rescisórias devidas em tal modalidade de ruptura contratual.

Não obstante o mérito das alegações vertidas pelo demandado, certo é que não se prestam para justificar a ausência de pagamento das verbas rescisórias alusivas à modalidade sem justa causa, por iniciativa do ex-empregador, mormente porque o risco do empreendimento não pode ser transferido para o empregado, nos termos do art. 2º da CLT.

Eventuais dificuldades financeiras não se prestam para justificar a ausência de pagamento das parcelas decorrentes do contrato de trabalho (princípio da alteridade), mesmo porque, efetivamente, não se trata de fato imprevisível no mundo dos negócios.

Ademais, embora seja inquestionável que a pandemia do COVID-19 tenha ocasionado uma crise social e econômica, em decorrência de medidas restritivas e de isolamento social impostas pelas autoridades, inclusive, com determinação de paralisação, parcial e total, das atividades e serviços de diversos setores, certo é que o acionado não se pode valer da teoria da imprevisão ou força maior, mesmo diante da decretação de Calamidade Pública, pelo Governo Federal, para suprimir o único meio de subsistência do trabalhador.

Não é demais destacar que medidas trabalhistas foram disponibilizadas às empresas, pelo Governo Federal, justamente com o escopo de minimizar os efeitos nocivos decorrentes da pandemia, antes mesmo de se proceder à demissão do trabalhador.

Não se deve olvidar, também, que os riscos da atividade econômica, mesmo no estado de calamidade pública, não devem se sobrepor, em razão do caráter alimentar que reveste o crédito trabalhista.

Diante dos termos da defesa ofertada, declara, este Juízo, que as partes mantiveram vinculação empregatícia pelo período de 22.7.2019 a 25.3.2020, sendo certo que o acionante foi dispensado imotivadamente.

Ante à ausência de quitação, julgo procedentes os pedidos de pagamento do aviso prévio indenizado, com integração ao tempo de serviço para todos os fins de direito, saldo de salário correspondente ao mês de março/2020, férias proporcionais + 1/3, 13º salário proporcional, diferença da multa rescisória de 40% sobre o FGTS e multa prevista no art. 477 da CLT.

[...]

Irretocável.

É inequívoco que o Reclamante foi comunicado em 25.03.2020 a respeito do seu desligamento, mesmo dia em que foi afastado do trabalho.

Com efeito, em tal data vigorava a Medida Provisória n. 927, editada em 22.03.2020, cuja vigência foi encerrada em 19.07.2020, conforme Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional n. 92/2020.

Cuida-se de norma que visou à preservação do emprego, da renda e das atividades laborais e empresariais durante o período de calamidade pública decorrente da crise sanitária deflagrada pela pandemia da Covid-19. Possibilitou a aplicação de medidas como o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas e a suspensão do contrato de trabalho (artigos 1º, 2º e 3º). Destaque-se o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego criado pela MP 936/2020.

Diante disso, não se sustentam os argumentos da Recorrente quanto à possibilidade de rescisão contratual sob o fundamento da força maior, primeiro porque não era a única medida, no âmbito dos contratos de emprego então vigentes, como visto, passível de ser tomada diante da situação estabelecida.

Sequer há prova nos autos de que a empregadora ao menos tenha tentando a adoção de providências conducentes à manutenção do contrato de emprego do Reclamante. Ao contrário, demitiu-o apenas 14 dias depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarar a pandemia do novo coronavírus, e 3 dias após da edição da MP 927/2020.

É bem verdade que o parágrafo único do artigo 1º da MP 927/2020 previa, para fins trabalhistas, que o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo n. 6/2020 constituía hipótese de força maior nos termos do artigo 501 da CLT, o qual, por sua vez, prevê que a força maior faz presumir uma situação inevitável e imprevisível.

Entretanto, a citada MP 927/2020 não tratou especificamente da autorização da força maior para fins rescisórios, mesmo porque sua aplicação no âmbito laboral, na ruptura do contrato de emprego, exige extinção da empresa ou do estabelecimento (artigo 502 da CLT). Não é o caso sob exame, pois, à míngua de prova em contrário, a Reclamada permanece em plena atividade. Nenhum ato de autoridade pública vedou a sua atividade econômica, especificamente, e sim medidas gerais de controle de pandemia que foram adotadas provisoriamente unicamente com tal finalidade.

O certo é que inexiste notícia de que a recorrente tenha sido extinta. A propósito do tema, extrai-se dos autos tão somente que houve sucessão por incorporação da Flor Arte Ltda. pela D&A Decoração e Ambientação Ltda., ora Recorrente, como prova a certidão de inteiro teor emitida em 08.06.2018, anexada no ID. 26ebd67, mudança ocorrida, como visto, antes até mesmo da admissão do Reclamante e da pandemia aqui mencionada.

Assim, não restou configurada a premissa do artigo 502 da CLT, que deve ser analisada de forma conjunta, em face de exigível interpretação abrangente, sistemática e teleológica das normas legais vigentes, mormente à época da rescisão.

Outrossim, eventual crise financeira momentânea não caracteriza motivo de força maior para o fim pretendido, na medida em que essa situação se trata de acontecimento previsível pelo empresário e decorre do risco do empreendimento, nos termos do artigo 2º, caput, da CLT, que, por certo, não pode ser revertido ao trabalhador.

Nesse sentido, já decidiu esta 2ª Turma:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. EXTINÇÃO DO CONTRATO POR FORÇA MAIOR. NÃO CARACTERIZADA. Em razão da pandemia causada pelo COVID-19, foi publicada a MP 927/20 que, em seu artigo 1º, reconheceu o estado de calamidade pública - definido pelo Decreto Legislativo 06/2020 como sendo até 31/12/2020 - como força maior para fins trabalhistas na forma do art. 501 da CLT. Registre-se que os arts. 1º e 2º da Medida Provisória 927/2020, apresentam normas que buscam a preservação e manutenção do emprego, da renda e das atividades empresarias e laborais. Ou seja, apresentam intento protetor. Ademais, o estado de calamidade pública reconhecido pelo Governo Federal, notoriamente, afetou a situação econômica e financeira de várias empresas de diversos setores, porém, não há provas de que houve a paralisação das atividades da reclamada decorrente da pandemia, eis que a empresa já se encontrava em dificuldades financeiras antes mesmo da publicação da MP 927/2020. Ademais, por mais excepcional que possa ser o momento vivenciado, não pode o empregado arcar com as consequências da conduta empresária, salientando-se que, no caso, discutem-se parcelas de natureza alimentar (art. 100 da C.F), sem perder de vista que ao empregador incumbe arcar com os riscos do empreendimento econômico (art. 2º da CLT). Recurso obreiro a que se dá provimento no ponto (Processo: ROT - 0000093-17.2021.5.06.0007, Redator: Paulo Alcantara, Data de julgamento: 04/04/2023, Segunda Turma, Data da assinatura: 09/04/2023).

Bom é dizer que a Reclamada não perdeu tempo para dispensar o Reclamante em época de grave crise sanitária enfrentada pelo mundo, não obstante os recursos dispostos para minimizar os danos, no âmbito do governo federal, tanto para ela quanto para o trabalhador. Dispensou o empregado imotivadamente, na primeira hora que lhe interessou, sem pagar parte das verbas, como se a ela incumbisse definir o que era e o que não era para assumir de encargos, enquanto deixasse o restante para o hipossuficiente suportar.

Se optou por utilizar seu direito potestativo de encerrar o contrato, deve arcar com os encargos decorrentes desse ato na sua integralidade.

Com essas considerações, nego provimento

Conclusão do recurso

Litigância de má-fé (pedido formulado nas contrarrazões)

Não se vislumbra no ato específico aqui analisado comportamento que possa ser enquadrado nos incisos VII do art. 793-B da Consolidação das Leis do Trabalho.

A Reclamada se utilizou de um direito que tinha de recorrer, ainda que com argumentados equivocados, não se divisando nesse ato patente interesse de obstar o regular andamento do processo, ou seja, intuito manifestamente procrastinatório. 

E se ela poderia adotar aquilo que o Recorrido, em contrarrazões, menciona (ao invés de fazer depósito recursal e buscar a modificação da sentença, pagar o valor que era praticamente o mesmo devido ao credor), a ela, somente, e a ninguém mais, competiria decidir. Ver-se nisso má-fé é estender demais o conceito de lide temerária.

Por tais razões, indefere-se o pedido em tela formulado pelo Reclamante, em suas contrarrazões.

Aplicação do § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil (pedido formulado nas contrarrazões)

Indefere-se, igualmente, outro pedido, digamos assim, formulado nas contrarrazões, qual seja, de aplicação do artigo 85, § 11, do CPC. É que a CLT possui regramento próprio, em seu artigo 791-A, não havendo condição para a utilização supletiva ou subsidiária da legislação processual civil, nesse particular.

Prequestionamento

Advirta-se, desde já, que a fundamentação supra não permite vislumbrar-se qualquer violação a dispositivos constitucionais e infraconstitucionais.

Por fim, visando a evitar questionamentos futuros, esclareço que os argumentos pertinentes ao deslinde da controvérsia foram devidamente apreciados, trilhando-se uma linha lógica de decisão, que, obviamente, excluiu aqueles em sentido contrário. Quanto ao tema, pronunciou-se a mais alta Corte Trabalhista do país, na Instrução Normativa n. 39, datada de 15/03/2016, que "não ofende o art. 489, § 1º, inciso IV do CPC a decisão que deixar de apreciar questões cujo exame haja ficado prejudicado em razão da análise anterior de questão subordinante" (artigo 15, inciso III).

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Ordinário e indefiro os pedidos formulados nas contrarrazões.

ACÓRDÃO

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

ACORDAM os Srs. Desembargadores da 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, por unanimidade, negar provimento ao Recurso Ordinário e indeferir os pedidos formulados nas contrarrazões.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que na 17ª Sessão Ordinária realizada no 24º dia do mês de maio do ano de 2023, sob a Presidência do Excelentíssimo Senhor Desembargador PAULO ALCÂNTARA, com a presença da Excelentíssima Senhora Desembargadora SOLANGE MOURA DE ANDRADE e do Excelentíssimo Senhor Juiz Convocado EDMILSON ALVES DA SILVA, bem como do (a) representante do Ministério Público do Trabalho, LÍVIA VIANA DE ARRUDA, foi julgado o processo em epígrafe, nos termos do dispositivo supra.

Certifico e dou fé.

Maria Regina Cavalcanti Cabral Fernandes

     Assistente de Secretaria

Assinatura

EDMILSON ALVES DA SILVA
Relator